Uma sinfonia de literacia financeira
Uma aula de finanças pessoais mais musical do que o habitual.
“Music produces a kind of pleasure which human nature cannot do without.”
Confucius
Para além destas coisas geralmente aborrecidas da economia e dos mercados, música é sem dúvida uma das maiores predileções que tenho o prazer de desfrutar enquanto ando por aqui a cambalear neste planeta. Ainda que a minha primeira experiência mais a sério com música tenha sido a dissecar o álbum Re-Definições dos Da Weasel, (escondido no conforto do meu quarto, pois não queria que os meus pais soubessem que ouvia música com palavrões, num misto de rebeldia e cobardia), foi provavelmente quanto comecei a tocar flauta no 5º ano que me apercebi que existe algo mágico sobre a perfeição de como determinadas melodias se encaixam e penetram os nossos tímpanos. Quando descobri uma banda chamada Linkin Park, apercebi-me que existia um universo por explorar e descobrir que desconhecia totalmente. Sensação semelhante àquela experienciada por aquele habitante do norte da Europa que vem a Portugal, prova pela primeira vez uma bifana, seguida de um pastel de nata e uma bica, e subitamente percebe que tudo aquilo que sabia sobre comida estava completamente errado.
A partir desse momento, o meu ouvido foi se desenvolvendo e fui começando a ouvir outro tipo de melodias que inicialmente repudiava. Foi apenas uma questão de tempo até pegar na guitarra e experienciar a tortura inicial de aprender os acordes mais básicos. Comecei a ouvir praticamente tudo, desde rock, música clássica, eletrónica, hip hop até heavy metal. E foi sobretudo através destes dois últimos que acabei por redescobrir o que é a música em si.
Why Do Lyrics Matter? - NRG Recording Studios
Até então, o conteúdo lírico não tinha qualquer relevância para a minha pessoa. Cantar La La La ou declamar um poema musical digno de um nobel em literatura era simplesmente igual para o meu sistema auditivo. (quando olhamos para trás no tempo, é ligeiramente assustador observar o nosso nível de ingenuidade relativamente a determinados temas, no entanto é extremamente motivador observar o quanto evoluímos e progredimos ao longo do tempo) Subitamente descobri que havia uma camada de riqueza na música que ainda não tinha explorado. A sequência de Fibonacci incorporada numa música, um álbum baseado no romance Moby Dick de Herman Melville de 1851 e uma reflexão plural e crítica da nossa sociedade, são apenas alguns exemplos da criatividade e do simbolismo que podemos encontrar dentro do variadíssimo repertório musical. Consequentemente, mesmo que alguém escreva algo com o nível de qualidade de um solo de David Gilmour, se a mensagem da música não acompanhar essa mesma qualidade, é como se estivesse a comer uma daquelas sobremesas saudáveis sem açúcar. Até se pode comer, mas jamais estará ao nível de um pastel de nata.
Chega de falar de comida, afinal isto é um blog sobre literacia financeira. Sendo o dinheiro um fator fundamental na sociedade moderna, é natural que este tema tenha vindo a ser abordado de forma bastante frequente pela comunidade musical ao longo dos tempos. De seguida apresento as canções que na minha opinião, acabaram por deixar as reflexões mais profundas sobre a forma como devemos olhar para o dinheiro e o papel que este deve desempenhar na vida de todos nós.
Can´t Buy me Love — The Beatles
I’ll buy you a diamond ring, my friend
If it makes you feel alright
I’ll get you anything, my friend
If it makes you feel alright
’Cause I don’t care too much for money
Money can’t buy me love
I’ll give you all I’ve got to give
If you say you love me too
I may not have a lot to give
But what I got I’ll give to you
I don’t care too much for money
Money can’t buy me love
Formada em Liverpool em 1960, este quarteto dispensa qualquer tipo de apresentações. Considerada por muitos como a maior banda de todos os tempos devido à sua influência em vários géneros musicais, os Beatles apresentam no seu repertorio uma série de temas sobre dinheiro. Idolatrados por milhões, eram muitos aqueles que dariam tudo por tudo para ter a saúde financeira e o poder de um rockstar. Escrita por Paul McCartney, “Can´t Buy me Love” relembra-nos que existem coisas bem mais importantes que não são possíveis de comprar, particularmente o mais importante: o amor.
What Money Can't Buy. | Young Money by Jack Raines
No Shelter — Rage Against the Machine
The main attraction, distraction
Got ya number than number than numb
Empty ya pockets, son, they got you thinkin’ that
What ya need is what they selling
Make you think that buying is rebelling
Outra banda que dispensa apresentações. Conhecidos pelas suas mensagens anti-capitalistas e anti-imperialistas (chegaram a queimar a bandeira do seu país num concerto em 1999), os RATM, através do vocalista e letrista Zach de La Rocha, relembram todos nós de que uma parte daquilo que consumimos e achamos ser necessário para a nossa sobrevivência não passa de uma autêntica manipulação cerebral perpetuada pelos departamentos de marketing e publicidade das empresas por esse mundo fora. Criando a ilusão de que precisamos de algo e transformando um simples bem de consumo numa experiência, conseguem programar-nos para fazer uma coisa e apenas uma coisa: retirar fundos dos nossos bolsos e colocá-los em bolsos que não são nossos. Quando damos por nós, estamos presos na famosa hedonic treadmill, completamente ludibriados do que verdadeiramente importa. Estarmos conscientes desta realidade é o primeiro e mais importante passo para conseguirmos diminuir os nossos gastos e alimentar os nossos níveis de poupança.
When you gonna wake up? — Bob Dylan
When you gonna wake up, when you gonna wake up
When you gonna wake up and strengthen the things that remain ?
You can’t take it with you and you know that it’s too worthless to be sold
They tell you, ‘Time is money’ as if your life was worth its weight in gold.
O principal etos deste blog é sobretudo demonstrar o porquê de o nosso tempo ser a maior riqueza que temos, ao contrário da ideia infiltrada na nossa sociedade de que o dinheiro deve ser a maior prioridade nas nossas vidas. Em “When you´re gonna wake up”, Bob Dylan lança uma espécie de repto/desafio para que acordemos para a verdadeira realidade, sendo que a dicotomia dinheiro e tempo é abordada de forma bastante clara e inequívoca. Jamais em alguma circunstância o valor do tempo é igual ao valor do dinheiro. É impossível quantificar o valor de uma vida e o tempo que resta a uma pessoa. O compositor americano relembra-nos ainda que no dia em que partirmos, independentemente de irmos para o sítio A ou o sítio B, não iremos levar os zeros da conta bancária connosco.
Mo Money Mo Problems — The Notorious B.I.G.
I don’t know what they want from me
It’s like the more money we come across
The more problems we see
A relação entre dinheiro e felicidade é provavelmente uma das relações mais complexas que podemos observar à nossa volta. Visto que existe naturalmente um aumento significativo da qualidade de vida para alguém que esteja numa situação financeira debilitada, assume-se a que essa correlação positiva se mantém, independentemente dos níveis de riqueza. O nosso cérebro é preguiçoso e tem bastante dificuldade em perceber relações não lineares. O dinheiro apresenta uma utilidade marginal que converge para zero. Os mesmos mil euros de rendimento têm uma utilidade completamente diferente se forem a diferença entre 0 e 1000 (maior utilidade) do que a diferença entre 4000 e 5000 euros (menor utilidade). Nestes versos, um dos maiores rappers de todos os tempos The Notorious B.I.G argumenta que não só a utilidade marginal do dinheiro tende para zero, mas como a partir de um certo ponto ela torna-se negativa. Quanto mais tivermos, maiores são as nossas potenciais fontes de problemas. Quando mais tivermos, mais temos a perder. Não é de estranhar que encontremos níveis de stress maiores em pessoas que tenham níveis maiores de rendimento. A estratégia correta será portanto descobrir um nível de Riqueza QB, uma espécie de Fuck You Money, onde tenhamos o suficiente para trabalharmos no que gostamos, ter liberdade para dizer o que nos apetece sem dar explicações a ninguém e satisfazer as nossas necessidades fundamentais e as da nossa família. A partir daí, se calhar o o melhor será mesmo doá-lo a quem mais precisa. Os nossos níveis de felicidade agradecem.
“Money can’t buy happiness, but the absence of money can cause unhappiness. Money buys freedom: intellectual freedom, freedom to choose who you vote for, to choose what you want to do professionally. But having what I call “f*ck you” money requires a huge amount of discipline. The minute you go a penny over, then you lose your freedom again. If money is the cause of your worry, then you have to restructure your life.”
Nicholas Nassim Taleb
Make the Money — Macklemore & Ryan Lewis
Make the money, don’t let the money make you
Change the game, don’t let the game change you
Todos fazemos parte de um jogo onde nos ensinam que as regras do sucesso são estudar, arranjar um bom trabalho que pague um salário acima da média, escalando a escada corporativa para que um dia tenhamos a oportunidade de adicionar as letras C-E-O ao nosso curriculum vitae. E é nesse processo que acabamos por perder a nossa essência e aquilo que nos define. Macklemore & Ryan Lewis argumentam que apesar de termos necessariamente de olhar para a questão financeira, nunca devemos deixar que o dinheiro corrompa com os nossos valores e aquilo em que acreditamos. Paralelamente, a sociedade espera que joguemos o jogo da vida de uma forma programada e planeada. A dupla musical desafia-nos ainda a não seguir aquilo que esperam de nós, mas sim a construir o nosso próprio jogo com as nossas próprias regras. Um claro dedo do meio à vida corporativa e à famosa corrida de ratos.
“Those who do not think that employment is systemic slavery are either blind or employed.”
Nicholas Nassim Taleb
Da próxima vez que colocar os seus headphones em funcionamento, lembre-se que dentro da música, existe muito mais para além da melodia musical em si. Tal como viajar pelo mundo, ver bons filmes e ler bons livros, a música é mais um veículo que nos pode levar a novos horizontes, a novas experiências e a novas aprendizagens.
Chegámos ao final da aula! Espero que tenha sido música para os seus ouvidos. Até à próxima!
Se ainda não subscreveu o The Money Game, chegou a altura!
Boas poupanças e bons investimentos!