O mundo é volátil. Imprevisível. Ninguém sabe com 100% de certeza os acontecimentos do próximo minuto, da próxima hora ou das próximas 24 horas. Se para alguns, constatar este facto é uma espécie de filme de terror, outros aparentam alimentar-se desta mesma volatilidade e incerteza, capitalizando-a em todos os níveis, com especial ênfase para a questão financeira. Empreendedores, jogadores de poker, gestores de hedge funds, venture capitalists, são exemplos de pessoas que tratam literalmente o risco por tu.
"Prediction is very difficult, especially about the future." - Niels Bohr
Se não temos uma bola de cristal para adivinhar o futuro e se não sabemos os resultados das ações que desenvolvemos hoje, quais são os segredos para estarmos confortáveis com esta incerteza constante que paira no ar sempre que assumimos uma ponta de risco nas nossas vidas? Existem uma série de truques na manga que podemos utilizar para tornar todas essas situações mais toleráveis e de certa forma até mais apetecíveis. Venham daí conhecê-las!
Aceitar que tudo no mundo comporta risco e que o já assumimos todos os dias de forma inconsciente
Quando vamos a um restaurante, corremos o risco da comida servida não estar nas melhores condições, garantindo-nos no mínimo, um bilhete de viagem à casa de banho, e no pior dos casos, ao hospital. Quando duas pessoas decidem casar, correm o risco de um dia no futuro se divorciarem, acabando por despender e investir tempo num projeto que acabou por resultar numa tonelada de éter. Quando atravessamos uma passadeira com a maior das tranquilidades, corremos o risco de que um bêbado (infelizmente são muitos os que andam por aí) tenha bebido uns quantos copos a mais logo ali pelas 9 da manhã, fazendo com que a nossa figura ganhe um manto de invisibilidade no seu campo de visão.
Estes exemplos demonstram que de forma mais ou menos inconsciente, o risco já marca presença no nosso quotidiano todos os dias sem exceção. E não é por causa dessa incerteza, que alguém se fecha no quarto e atira a chave para o rio. O que todos nós acabamos por realizar, mais uma vez de forma mais ou menos consciente, é precisamente gerir esse risco. Preferencialmente de forma inteligente. Antes de atravessarmos uma passadeira, olhamos para ambos os lados e certificamo-nos que não vem nenhum carro. Gestão de risco. Quando vamos almoçar a um restaurante, certificamo-nos que o estabelecimento tem bons reviews antes de reservarmos uma mesa. Gestão de risco. Quando assumimos uma relação com alguém, procuramo-lo fazer com uma pessoa que apresente determinadas características que nos indicam que a relação irá ser bem-sucedida. Gestão de risco.
A ideia que pretendo passar aqui é simples - o risco é inerente à nossa vida. Não há como escapar a essa realidade. Quanto mais cedo interiorizarmos este facto, mais confortáveis estaremos com a sua presença. Como dizem os estoicos, não vale a pena estar preocupado com algo do qual não temos qualquer tipo de controlo. E sobre o que é que temos controlo? A forma como gerimos esse risco. É precisamente essa gestão que deve ser aprimorada e melhorada, de modo a que possamos sair por cima e beneficiar deste mundo intrinsecamente volátil.
'Life is inherently risky. There is only one big risk you should avoid at all costs, and that is the risk of doing nothing.' – Denis Waitley
Gerir o risco de forma semelhante a um casino
Casinos. Provavelmente das poucas coisas deste mundo que consegue ser amada e odiada ao mesmo tempo para além da música pop. Se por um lado é nestes locais que milhões de pessoas satisfazem a sua necessidade de especulação e de descargas de adrenalina, pelo outro, são muitas as vidas que já foram destruídas numa mesa de roleta em Las Vegas.
O que é que os casinos nos podem ensinar sobre risco? Um autêntico doutoramento na gestão do mesmo. Porém, fiquemo-nos pelo mais simples neste artigo. Todos estamos familiarizados com a expressão “vantagem da casa”. O que é que esta expressão significa exatamente? Pensemos no jogo da roleta.
Como podemos observar neste exemplo um pouco mais sonoro do que o habitual, a casa tanto ganha mãos aos clientes, como também as perde. O risco também marca presença no dia-a-dia dos casinos. Pergunta para queijinho: se a casa está exposta a perdas financeiras, como é que se garantem rentabilidades positivas ano após ano para a casa? Simples. Desenvolvendo um “sistema” onde o bolo dos ganhos do casino é consistentemente superior ao bolo das perdas.
Como é que o casino garante que este sistema colocará mais moedas nos seus bolos do que aquelas que lhes tira? Duas coisas: vieses psicológicos que fazem com que seja muito atrativo continuar a apostar indefinidamente, aumentando a probabilidade dos clientes perderam todo o seu dinheiro, em conjunto com a nossa amiga matemática que se encarrega que mesmo que no curto-prazo haja uma noite em que um grupo de amigos leve uns sacos bem carregados de dinheiro para casa, no médio-longo prazo, o casino leva sacos ainda mais pesados para os acionistas. Quando me refiro a matemática, refiro-me especificamente à lei dos grandes números e a garantir que a variável aleatória associada aos ganhos do casino tem um valor esperado positivo para a casa.
Chinês? Financês? Prometi que não iriam encontrar essas linguagens por estes lados, por isso aqui vai a tradução para português.
A versão europeia da roleta tem 37 casas: 18 vermelhas, 18 pretas e uma verde (o zero). Se um jogador apostar no vermelho, tem 18 em 37 hipóteses de ganhar, ou seja, 48,65% de probabilidade. Por outro lado, a probabilidade de perder (sair preto ou zero) é de 19 em 37, cerca de 51,35%. Assumindo que cada aposta é de 10 euros, o jogador ganha 10 euros em 48,65% das vezes e perde 10 euros em 51,35% das vezes. Isto significa que, em média, cada aposta resulta numa perda de 27 cêntimos para o jogador, sendo que esse valor vai diretamente para o bolso do casino.
Um trader profissional tem de desenvolver também um sistema semelhante ao de um casino. Ao contrário daquilo que é vendido pelos traders da wish que marcam e sempre marcarão presença nos feeds das redes sociais a vender sonhos iluminados de lamborguinis e ferraris, um trader verdadeiro terá tanto operações bem-sucedidas, como terá operações mal-sucedidas. Terá ganhos e terá perdas. Qual é a diferença entre um trader bem-sucedido de Champions e um trader da 3a distrital do Alentejo? Enquanto que no caso do segundo, o total das perdas é consistentemente superior ao bolo total dos ganhos, no caso do primeiro, é precisamente o oposto que acontece. Os casinos estão desenhados para serem bons traders. Aliás, é mais ao contrário. Os bons traders é que estão programados para serem casinos humanos.
Mais um exemplo: um jogador de poker profissional não sabe se irá conseguir retirar algum tipo de proveito financeiro quando se inscreve num torneio. Mas sabe que ao fim de 100 torneios, dado o seu nível superior de aptidão e de conhecimento face ao dos jogadores que participam nesses torneios, o montante total que irá ganhar será superior a todo o dinheiro que investiu nas entradas desses mesmos torneios.
Por mais apetitoso que seja a ideia de vivermos num mundo onde as nossas decisões vão estar sempre certas, todos nós, sejamos o Zé da esquina ou o Elon musk, vamos estar errados durante a nossa vida. George Soros, o homem que ficou conhecido como the man who broke the bank of england, ganhou mais de 1 biliões de dólares no processo, e conseguiu perdeu mais de 430 milhões de libras durante a bolha da internet no final do século com o seu fundo. Warren Buffett, considerado por muitos um dos melhores investidores de todos os tempos, também perdeu dinheiro em vários investimentos que fez durante a sua carreira. No entanto, essas perdas não foram suficientes para impedir que Buffett amealhasse mais de 100 mil milhões de dólares até aos dias de hoje. É verdade que o juro composto também ajudou.
Concluindo e resumindo, é impossível produzir algo de valor sem nos expormos a períodos corretivos no curto-prazo. É impossível crescer em linha reta sem qualquer setback. Não dá para comer o bolo e tê-lo ao mesmo tempo. Estarmos conscientes de que estas dores de curto-prazo fazem parte do percurso rumo ao topo da montanha, e que não são um sinal de que não vamos chegar ao topo, é meio caminho andado para termos uma relação saudável e tranquila com toda a incerteza que paira à nossa volta.
O essencial em todo este processo é assegurar "a nossa vantagem da casa", tal como os casinos. Se o tamanho dos períodos de crescimento for sistematicamente superior ao dos períodos de correção, uma tendência positiva no médio/longo prazo está garantida. Os melhores traders têm dias onde perdem dinheiro. Os melhores jogadores de poker participam em torneios onde ficam de mãos a abanar. Os melhores investidores têm períodos onde apresentam retornos negativos. E é perfeitamente normal. Faz parte do processo de sucesso de cada um. Porque o bolo total destes setbacks é sistematicamente inferior ao bolo dos ganhos.
E como é que se pode aumentar a probabilidade de desenvolver um sistema que seja positivamente proveitoso para a nossa exposição ao risco? O maior truque de todos passa por garantir que aquilo que colocamos em risco é substancialmente inferior ao que poderemos auferir caso as estrelas se alinhem no céu e o desfecho seja positivo a nosso favor.
“It's not whether you're right or wrong, but how much money you make when you're right and how much you lose when you're wrong.'” – George Soros
Incorrer apenas em riscos assimétricos
Entretanto voltamos com a parte 2!
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